sexta-feira, 20 de maio de 2011

Nas feiras do Nordeste, é muito comum encontrar-se bancas onde são vendidos folhetos - escritos geralmente em versos (sextilhas, septilhas ou décimas) - e que tratam dos assuntos mais variados. Estes folhetos caracterizam a nossa literatura de cordel.
Na sua grande maioria são romances que contam estórias com a intenção de entreter ou "versos de opinião", que criticam fatos ou pessoas. É muito comum também encontrar-se alguns que reproduzem desafios, contam as aventuras de Lampião ou a vida do Padre Cícero ou Frei Damião.
Sob uma outra visão, podemos dizer que o Cordel é também o jornal nordestino. Os desastres, as inundações, as secas, os cangaceiros, as reviravoltas políticas, alimentam o caráter jornalístico dessa produção, que chega a centenas de títulos por ano.
Para que se tenha uma idéia dessa função jornalística, basta lembrar que quando Getúlio Vargas morreu, um dos poetas de cordel, mal ouviu a notícia pelo rádio, começou a escrever "A lamentável morte de Getúlio Vargas". Entregou os originais ao meio dia e à tarde recebeu os primeiros exemplares. Vendeu 70.000 em 48 horas.
Outro assunto que teve grande repercussão foi "O trágico romance de Doca e Ângela Diniz". A "Carta do Satanás a Roberto Carlos" também teve grande sucesso, inspirado na música que dizia "E que tudo mais vá pro inferno!"
Assim, a literatura de cordel, tanto pela sua parte poética, como pela arte da xilogravura, constitui uma das mais interessantes expressões da arte brasileira.
Inspirada na literatura francesa de colportage, nos romances e pliegos sueltos ibéricos e na própria literatura de cordel portuguesa(*), a nossa Literatura de Folhetos (ou de Cordel) nasceu e desenvolveu-se no nordeste brasileiro, contando as sagas e a sabedoria do povo sertanejo. Atualmente, esta manifestação popular pode ser encontrada em diversos pontos do país (e não mais só nas feiras do Nordeste), sempre incentivada pelas comunidades nordestinas.

Exemplo de Cordel

Romance dos tipos do sertão - Memórias de Adão Ferreira*
(Cordel de Guilherme de Faria)

1
Vosmecê, meu povo amigo
Já conhece a minha fama
De cantador meio antigo
Que em vez de cantar, declama.

2
Venho por essas estradas
Contando causos demais
Desse povo, nas noitadas,
E ainda tem muito mais.

3
Quanta gente conheci!
Quanta fé testemunhei!
Patranhas também eu vi,
C’umas até concordei.

4
Mas dentre essa galeria
De tipos do meu sertão
Vou fazer presentação
Como a memória desfia.

5
Tem de tudo no meu álbum:
Vaqueiro, doutor, coronel,
Mulher, criança, e algum
Bandido cheio de fel.

6
Mas só pra eu me lembrar
Vou descrever logo um tipo
Que me faz acreditar
Que pobre eu sou mas é rico:

7
Um avarento ridíco*
Que morreu de inanição
Num trecho fértil do Chico,
Oásis deste Sertão.

8
Esse rico indigente
Queria só exportar
O fruto de tanto suar
P’ras terras de outra gente

9
Para acumular dinheiro
Pro dia de precisar,
Juntando pra que ao herdeiro
Não fosse nunca faltar.

10
Mas ao morrer, cuidadoso,
Deixou um bilhete famoso:
“Me enterrem direto no chão,
Pr’eu economizar caixão”

11
“Que é muito desperdício,
Pois rede ou madeira e verniz
É coisa que eu nunca quis
Pr’os ossos do meu ofício.”

12
Tem também o causo ilustre
Dum coronel afamado
Que subiu no próprio lustre
Onde ficou pendurado

13
Só pra ver se flagrava
A patroa c’um peão
Que o leito compartilhava,
Seco como esse sertão.

14
O tiro veio de cima
E varou o coração
Dos dois, na última rima
Que restou nessa canção.

15
Até pro doutor legista
Foi difícil decifrar
De qual ponto de vista
Pôde assim se disparar.

16
Teve ainda um causo triste
D’um vaqueiro apaixonado
Que vivia de arma em riste
Mas sempre, sempre frustrado.

17
Pois o alvo da paixão
Tinha marido e filha,
Que no mar deste sertão
Ninguém vive numa ilha.

18
E o peão foi limpar
O campo de atuação
Numa mesa de bar
Onde armou discussão.

19
Depois de tiro acertar
Correu pro rancho rival
Não pra se confessar,
No que se deu muito mal

20
Pois a moça farejou
O sangue de seu marido
E da soleira aplicou
No peão um “pé do ouvido”.

21
“Fóra, hóme! Ocê não presta,
Que me tem enviuvado,
Cê matou homem honrado,
Honra é só o que me resta!”

22
E tem a estória escabrosa
De um vaqueiro feioso
Que resgatava a famosa
Tese do doutor Lombroso,*

23
Que afirma que quem vê cara
Vê, por certo, o coração,
Desde que olhe para
A cara com muita atenção.

24
Esse ser mal acabado
Se apaixonou pela filha
De um vaqueiro calejado
De quem era a maravilha

25
Pois a moça era beldade
Pelo menos pro sertão
E com muita pouca idade
Já causava emoção.

26
E o vaqueiro Notredame*
Que era corcunda e mancava
Como quem teve derrame
E mesmo assim trabalhava

27
Tinha um feio coração
Que no entanto comandava
A carcaça em sua paixão
E o vaqueiro obstinava.

28
Não sabendo se expressar
Em bela declaração
Decidiu foi raptar
A moça em camisolão

29
E manteve a prisioneira
Por três dias numa cova
O que pra ele era prova
De sua “paixão verdadeira”

30
Quando afinal encontraram
A moça já tava louca
E o vaqueiro enforcaram,
Que foi até coisa pouca:

31
Que a coluna do calhorda
Ficou retinha até
Estirada numa corda
Amarrada no seu pé.

32
Mas me perdoem esse causo
Que me parece impiedoso
Também creio que o descauso
Foi a causa e não Lombroso,

33
Pois se o pobre sem amor
Com a morte esticou um pouquinho,
Se criado com carinho
Saberia amor propor.

34
Ouçam agora a de um menino
Que ganhou uma viola
Quando ainda pequenino,
Bem maior que a sua bitola

35
Mas foi crescendo então
Todo em volta do instrumento
Que parece um segmento
Da costela desse Adão

36
Adão Ferreira, meu nome
Que aqui me apresento
Até com certo renome
Por causa do meu talento

37
Que é contar pr’ocês meu povo
Os causos de ocês mesmo,
Pra ocês se vê de novo
C’um pouquinho de torresmo

38
Que exagero é o colorau
Do contador afamado,
Pimenta de cheiro e sal
Para o causo ser lembrado.

39
E agora vou saindo
Deixando um gosto de pouco
Que é pr’ocês ficá sorrindo
Do poeta meio louco

40
Que acredita na Poesia
Desse ser de maravía
Que é o homem comum,
Que são vocês: um a um!

FIM

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Cordelistas

:: Apolônio Alves dos Santos

Natural de Guarabira, PB, transferiu-se para o Rio de Janeiro no ano de 1950, onde exerceu a profissão de pedreiro, até viver da sua poesia. Seu primeiro folheto foi "MARIA CARA DE PAU E O PRÍNCIPE GREGORIANO", publicado ainda em Guarabira.






Arievaldo Viana Lima

Poeta popular, radialista e publicitário, nasceu em Fazenda Ouro Preto, Quixeramobim-CE, aos 18 de setembro de 1967. Desde criança exercita sua verve poética, mas só começou a publicar seus folhetos em 1989, quando lançou, juntamente com o poeta Pedro Paulo Paulino, uma caixa com 10 títulos chamada Coleção Cancão de Fogo. É o criador do Projeto ACORDA CORDEL na Sala de Aula, que utiliza a poesia popular na alfabetização de jovens e adultos. Em 2000, foi eleito membro da ABLC, na qual ocupa a cadeira de nº 40, patronímica de João Melchíades Ferreira. Tem cerca de 50 folhetos e dois livros públicados: O Baú da Gaiatice e São Francisco de Canindé na Literatura de Cordel.

Faleceu em 1998, em Campina Grande, na Paraíba, deixando aproximadamente 120 folhetos publicados e acreditando ser o folheto "EPITÁCIO E MARINA", o mais importante da sua carreira de poeta cordelista.
:: Cego Aderaldo

Cantador famoso, voz excelente, veia política apreciável. Era um dos mais inspirados de quantos que existiram nos sertões do Ceará. "Aderaldo Ferreira Araújo" era seu verdadeiro nome. Nasceu no Crato, viveu em Quixadá e morreu em Fortaleza, beirando os 90 anos, em 1967. Tomou parte em cantorias que marcaram épocas. Os versos que escreveu são lidos e conhecido em todo o Brasil.  

 Elias A. de Carvalho

Pernambucano de Timbaúba, além de poeta, que com tanto entusiasmo contou e cantou as coisas do seu estado e do Brasil, foi também emérito sanfoneiro, repentista e versejador, sendo intensa a sua atividade, sem prejuízo para a profissão de enfermeiro, na qual era diplomado. Trabalhou no sanatório Alcides Carneiro, em Corrêas, na cidade de Petrópolis, estado do Rio de Janeiro, ligação que lhe permitiu preparar um importante trabalho intitulado "O ABC do corpo humano", entre os tantos outros que escreveu ao longo de sua vida

 
Firmino Teixeira do Amaral

Foi o mais brilhante poeta popular do Piauí. Nasceu no povoado de Amarração (Luís Correia-PI) e mudou-se muito jovem para Belém-PA, tornando-se o principal poeta da Editora Guajarina, de Francisco Lopes. Escreveu a famosa Peleja de Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum, tida por muitos como real, mas, ao que tudo indica, foi fruto de sua imaginação. Nesta obra ele criou um novo gênero na cantoria: o "trava-língua".
Dentre as obras de sua autoria destacam-se "Pierre e Magalona", "Bataclã", "O Filho de Cancão de Fogo", "O Casamento do Bode com a Raposa" e a peleja mais genial e popular de todos os tempos: a de Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum, que chegou a ser gravada por Nara Leão e João do Vale no disco OPINIÃO.

 Gonçalo Ferreira da Silva

Poeta, contista, ensaista. Nasceu em Ipu, Ceará, no dia 20 de dezembro de 1937. Autor fecundo e de produção densa, principalmente no campo de literatura de cordel, área que mais cultiva e que mais ama. Poeta intuitivo, de técnica refinada, chega a ser primoroso em algumas estrofes. É, porém, a abrangência dos temas que aborda que o situa entre os principais autores nacionais, tendo produzido diversos títulos com a temática de ciência e política. Quando participa de congressos e festivais é comum vê-lo contando histórias em versos rimados e de improviso. Hoje vive no Rio de Janeiro e é presidente da ABLC.


João Martins de Athayde

Nasceu no dia 24 de junho de 1880, em Cachoeira da Cebola, no município de Ingá, Paraíba. Trabalhou como mascate e atraído pela febre da borracha, foi para o Amazonas onde teve 25 filhos com as caboclas das tabas indígenas. Retornou ao nordeste e transferiu-se para Recife, onde fez curso de enfermagem. Em 1921, já com bela fortuna amealhada, comprou o famoso projeto editorial de Leandro Gomes de Barros, tornando-se o maior editor de literatura de cordel de todos os tempos. Vendo que oitenta por cento dos folhetos vendidos nas feiras era de humor ou de pelejas, e tendo especial vocação para duelos verbais, inclinou sua pena para esse tipo de produção. Usando personagens reais e fictícias, escreveu mais de uma dezena de pelejas até hoje muito procuradas e lidas, como a de "Serrador e Carneiro".

João Melchíades Ferreira

João Melchíades Ferreira da Silva nasceu em Bananeiras-PB aos 7 de setembro de 1869 e faleceu em João Pessoa-PB, no dia 10 de dezembro de 1933. Foi sargento do exército. Combateu na Guerra de Canudos e na questão do Acre. É autor do primeiro folheto sobre Antônio Conselheiro e de mais de 20 folhetos, dos quais destacamos "ROMANCE DO PAVÃO MYSTERIOZO", "COMBATE DE JOSÉ COLATINO COM CARRANCA DO PIAUÍ", "ROLDÃO NO LEÃO DE OURO", "HISTÓRIA DO VALENTE ZÉ GARCIA" e "A GUERRA DE CANUDOS". 
José Pacheco

Há controvérsia sobre o lugar de nascimento de José Pacheco. Para alguns, ele nasceu em Porto Calvo, Alagoas; há quem firme ter sido o autor de "A Chegada de Lampião no Inferno", pernambucano de Correntes. A verdade é que José Pacheco, que teria nascido em 1890, faleceu em Maceió na década de 50, havendo quem informe a data de 27 de abril de 1954, como a do seu falecimento. Seu gênero preferido parece ter sido o gracejo, no qual nos deu verdadeiros clássicos. Escreveu também folhetos de outros gêneros.
 Leandro Gomes de Barros

O paraibano Leandro Gomes de Barros, pioneiro na publicação de folhetos rimados, é autor de uma obra vastíssima e da mais alta qualidade, o que lhe confere, sem exageros, o título de poeta maior da Literatura de Cordel. Nascido em Pombal-PB, em 19 de novembro de 1865, faleceu no Recife-PE, em 04 de março de 1918, deixando um legado cerca de mil folhetos escritos, embora centro cultural algum registre tal façanha.
Foi, porém, o maior editor antes de João Martins de Athayde, que o sucedeu. O vigoroso programa editorial de Leandro levou a Literatura de cordel às mais distantes regiões, graças ao bem sucedido projeto de redistribuição através dos chamados agentes.


Manoel Camilo dos Santos

Manoel Camilo dos Santos nasceu em Guarabora, Paraíba, no dia 9 de junho de 1905. Foi cantador na década de 30. Tendo de cantar em 1940, dedicou-se a escrever e editar folhetos. Iniciou as atividades editoriais em sua cidade natal, indo continuá-las em Campina Grande, onde reside. A Folhateria Santos, por ele fundada, cede, anos depois, seu lugar a A "ESTRELA" DA POESIA, que ele mantém mais como um símbolo, sob cuja égide vem fazendo publicar os raros folhetos que ainda escreve.





 
Manoel é membro fundador da Academia Brasileira de Cordel, onde ocupa a cadeira nº 25, que tem como patrono Inácio Catingueira. Repentista e violeiro, é autor de mais de 80 folhetos.

Literatura de Cordel



        A literatura de cordel é um tipo de poesia popular, originalmente oral, e depois impresa em folhetos rústicos expostos para venda pendurado em corda ou cordéis, o que deu origem ao nome. São escritos em forma rimada e alguns poemas são inlustados com xilogravurar, o mesmo estilo de gravura usado nas capas. As estrofes mais comuns são as de dez, oito ou seis versos. Os autores ou cordelistas, recitam esses versos de forma melodiosa e cadenciada, acompanhado de viola.